Das características de dona Zélia Gattai Amado, senhora de quem tenho o privilegio de ser filha, é não fazer as coisas de afogadilho, não colher verde, não comer cru, não se precipitar, enfim, tomar todo tempo necessário para começar uma nova atividade, que certamente desempenhará com primor.

Foi assim que, ao ganhar uma máquina fotográfica russa, quando tinha uns 35 anos, ela começou uma brilhante carreira de fotógrafa, registrando momentos únicos da vida de Jorge Amado, aos quais só ela tinha acesso. Não eram fotos banais, pois dona Zélia nada faz de forma amadora.

Aos 45 anos, com a necessidade de melhor organizar os vaivéns da vida familiar e da vida profissional do marido, decidiu se deixar tomar pelo espírito do pai — Ernesto Gattai, Às do volante de São Paulo —, e matriculou-se numa escola para motoristas. Aprendeu a dirigir automóvel, aprendeu toas as mãos e contramãos das ruas do Rio de Janeiro, passou com louvor e... mais importante que tudo, convenceu seu Jorge a subir num carro dirigido por ela. De temeroso a fã incondicional foi um pulo. Ela tornou-se craque no volante, não envergonhou a memória do pai.

Das reportagens fotográficas, dona Zélia passou aos textos escritos para a imprensa sobre um dia-a-dia ricos em acontecimentos, como era o do casal Amado. Apesar da carteira profissional de jornalista, ela se acreditava amadora na arte de escrever, mas todos nós que a circundávamos vimos logo seu talento.

Talvez a timidez de quem é casada com um mito tenha feito com que levasse muitos anos até compreender que deveria sentar à máquina de escrever para enfrentar a tarefa de fazer um livro. Ela tinha jovens 63 anos, jogou-se de corpo e alma na escrita do seu primeiro livro. Fico feliz quando lembro ter sido eu uma de suas incentivadoras. Zélia Gattai, escritora, nascia para o sucesso com o livro Anarquistas, graças a Deus, que já teve, no Brasil, mais de duzentos mil exemplares vendidos. De lá pra cá, transcorrido 23 anos, sua obra cresceu, soma hoje catorze livros, sendo oito relatos de memórias, um romance, três livros infantis, uma fotobiografia e o ultimo, recém-publicado neste ano de 2002, um relato de saudades, tarefa que ela generosamente dividiu com meu irmão João Jorge e comigo. Outras histórias já estão indo para uma maquina, porque esta senhora não pode parar.

Este livro que a editora Casa de Palavras ora apresenta, é a síntese do seminário sobre a obra de Zélia Gattai, realizado pela Fundação Casa de Jorge Amado. Trata-se do primeiro documento acadêmico sobre a autora, trabalho do maior interesse, que merece leitura cuidadosa.

Faltou dizer que, aos 80 anos, dona Zélia furou as orelhas para colocar lindos brincos e, com eles enfeitada, assistir ao casamento de uma neta. Aos 85, foi eleita para três academias: a Brasileira de Letras, a Letras da Bahia e a Ilheense de Letras. Aos 86 anos, tomou posse nas três, pronunciando belíssimos discursos. No ano de 2003, estréia como bisavó. O que estará preparando para a festa dos 90?

Dona Zélia é fogo!

Texto escrito por Paloma Jorge Amado