Embora reconhecendo que o consumidor brasileiro é ainda preconceituoso em relação à gravura e outras técnicas, que têm o papel como suporte, o pintor e gravador Calasans Neto aposta na sobrevivência do gênero, reafirmando a vantagem do múltiplo como forma de arte de mais fácil acesso ao público, em função da tiragem em série, que reduz o custo final.

Refinada e sutil, a arte da gravura tem desafiado os séculos e surge em nossos dias como expressão maior, ganhando novos adeptos, ocupando galerias e despertando as atenções da crítica especializada. Nos Estados Unidos e na Europa, ressurgem as oficinas de gravura, fazendo brotar uma nova e promissora geração de gravadores.

Calasans Neto começou sua atividade artística como pintor, no ateliê de Genaro de Carvalho. Fez o curso livre de gravura em metal com o mestre Mário Cravo Júnior, na Escola de Belas Artes e, durante longo tempo dedicou-se exclusivamente à gravura em madeira, tornando-se conhecido em todo o país e realizando diversas exposições em instituições, galerias e museus, no Brasil e no exterior.

Depois de anos atuando apenas como gravador, em 1979, Calasans dá uma guinada em direção à pintura de cavalete e, num retorno às origens, volta às telas e aos pincéis, criando uma arte bastante pessoal, de forte colorido e traços bem delineados, com a temática que tem sido constante em sua iconografia: figura de pássaros, de animais antropomorfos, de peixes e baleias, intercaladas por espaços em branco e delicadas nuances de bege que fazem lembrar as dunas de areia e as extensas praias de seu território particular, por ele transformado em principado livre de Itapuã, onde pontifica soberano.

Pintor de copiosa produção e imaginação prodigiosa, à sua incursão no reino das tintas deve-se a aparição de uma fauna bastante circunstanciada, um zoológico peculiar, onde os pássaros noturnos, misteriosos, seres que povoam as noites encantadas do Abaeté, unem-se a enigmáticas sereias, para compor a inspirada mitologia deste poeta dos pincéis que, às vezes, também se dá ao luxo de criar esculturas.

O sucesso de sua pintura junto ao público não reduziu, porém, o fascínio de Calasans Neto pela gravura, esta arte do avesso. Ao contrário. Sem a preocupação de atender às exigências do mercado, ele pôde dedicar-se com um renovado entusiasmo à sua criação predileta, e tem feito novos experimentos, com outras técnicas, além da xilo, em que se notabilizou. No corte da madeira, introduziu o uso das placas de compensado, o que lhe possibilitou realizar peças de grandes dimensões, com efeitos interessantes e inusitados, inclusive com a pintura das matrizes que passaram a receber um novo tratamento.

Ao longo do tempo, várias técnicas vão sendo continuamente experimentadas no atelier da rua das Amoreiras, como se o artista buscasse definir os meios e os suportes que mais e melhor expressassem seu espírito inquieto: água-forte, água-tinta, buril, ponta seca, além da expressão em monotipia, técnica em que se consagra mestre, conseguindo efeitos surpreendentes.

Outra atividade intimamente relacionada ao mundo da gravura e que Calasans Neto considera muito importante para a divulgação de seu trabalho é a de ilustrador que lhe permite alcançar públicos mais vastos e diversificados, não só através dos livros da Edição Macunaíma, de que foi um dos criadores, mas também através dos romances de Jorge Amado, dos quais já ilustrou Tereza Batista e Tieta do Agreste em cuja companhia corre o mundo.

Texto escrito por Myriam Fraga